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Lula pede desculpas a Brizola e Darcy e se rende aos Cieps

No artigo, o jornalista e documentarista Beto Almeida falou sobre o pedido de desculpas públicas do presidente Lula a Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, implantadores dos CIEPS.

O presidente Lula acaba de produzir um admirável gesto de grandeza, na lamentável cena política nacional, pedindo desculpas públicas a Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, implantadores dos CIEPS  - as  revolucionárias escolas de tempo integral   -   e que foram tão injustamente combatidas em sua época, seja pela TV Globo, pelas classes dominantes em geral, e , é inevitável mencionar, por uma ala sectária do petismo, que também fez parte daquela lamentável campanha contra o direito dos pobres de terem acesso a uma educação de elevada qualidade, com alimentação e atendimento médico, em prédios bonitos, estimulantes e  acolhedores para uma prática educacional transformadora.


O episódio ocorreu quando Lula esteve na Cidade de Deus, comunidade pobre do Rio de Janeiro, para lançar a Pedra Fundamental de um Instituto Federal do RJ que ali será construído. Lula homenageou Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, por terem priorizado a educação e terem construído os CIEPs. “ Há muita gente que acha que isto é gasto. Gasto é construir presídios para tirar os jovens do narcotráfico. Educação é investimento. Nós estamos nos rendendo ao Brizola e ao Darcy e a escola de tempo integral. As crianças têm o direito de escola de tempo integral, com acesso a cultura, a música, a arte. Esse país não tem volta, nós vamos apostar na educação de tempo integral para que as famílias fiquem tranquilas que os filhos estão seguros aprendendo não apenas que o Cabral descobriu o Brasil, mas aprendendo cultura, música e coisas da vida real”, disse Lula.


Na realidade, trata-se de mais uma autocrítica que o presidente de honra do PT faz sobre práticas anteriores do partido, como quando fazia coro com a TV Globo para combater a prioridade que o governador Leonel Brizola conferiu à construção de 500 Cieps em todo o Estado do Rio, cada qual com mil alunos, com alimentação, atendimento médico e dentário gratuito, uniforme e material escolar, em prédios modernos projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer , em bairros mais pobres, torturados pela fome, pela inexistência de urbanização ou água encanada.


Ao pedir desculpas a Brizola e Darcy, mencionando que foram criticados por educadores que não entenderam a importância da escola de tempo integral, o presidente Lula está na realidade realizando uma autocrítica porque o petismo carioca também combateu os Cieps, considerando-os caros, e , em  desprezo evidente, ao afirmar que “Escola não é Restaurante”, ou “Brizola quer engordar porquinhos”. Lula disse em seu discurso que tem alguns que podem mandar seus filhos estudarem na Inglaterra, mas, obviamente, não é o caso das famílias dos trabalhadores, que precisam da escola pública, de tempo integral. Hoje, o governo Lula3 toma exatamente a decisão adotada por Brizola no Governo do Rio e passa a investir na construção de escolas de tempo integral, com restaurantes incluídos, porque, óbvio, as crianças dos bairros pobres, sem alimentação regular em casa, sem água corrente, só nas escolas podem alimentar-se adequadamente, além de cuidarem de sua própria higiene, voltando para casa de banho tomado, expressão repetida infinitas vezes por Brizola e Darcy.


O petismo carioca combateu os Cieps, agora defendido por Lula
Lula disse em seu discurso que houve educadores que não entenderam o esforço de Brizola e Darcy. Na realidade, foi uma verdadeira guerra das elites contra a escola integral.  O preconceito contra os Cieps era, na realidade, expressão do ódio das classes poderosas nutrem contra os pobres e pretos. Roberto Marinho, empresário milionário, golpista que recebeu graúdas verbas para seus projetos empresariais, chegou a dizer a Brizola que não perdesse tempo gastando dinheiro na construção de prédios bonitos para pobres. “Governador, faça aí umas casinhas simples”, disse o sinistro empresário, confessando seu desprezo, quando Brizola lhe mostrou a maquete dos Cieps, da lavra genial de Oscar Niemeyer. Chegou-se até a espalhar a falsa notícia de que o Sambódromo, onde também funcionam escolas de tempo integral, não suportaria seu peso e desabaria durante o carnaval. De certo modo, a isso Lula se referia em seu justo e sincero pedido de desculpas à dupla Brizola Darcy, que foram alvo de manipulações, desinformações, boatos, espalhados pela direita, mas também ecoados por alas sectárias da esquerda, como o jornalista global Gabeira  - que quando deputado votou contra o monopólio estatal do petróleo  -   e inúmeras lideranças petistas e comunistas, que ajudaram a derrotar a candidatura de Darcy Ribeiro, favorecendo a eleição de Moreira Franco, que iniciou o desmonte do CIEPS.


Crianças choravam porque queriam ficar na escola, onde se sentiam respeitadas
Ao entrevistar ex-alunos dos Cieps para a realização de um documentário sobre Nascimento e Morte de uma Escola Revolucionária, em fase de edição, registrei relatos agudos. Alguns destes ex-alunos contaram, com lágrimas nos olhos, que a garotada chorava quando chegava sexta-feira e era obrigada a voltar para casa. Muitos não tinham nada que comer em casa no final de semana.  Só se alimentavam regularmente nos Cieps. E muitos não tinham sequer água corrente em casa, só tomavam banho na escola, fazia parte da educação a higiene da jornada. O Ex-Secretário de Saúde do governo Brizola, Eduardo Costa, sustenta que a alimentação é obviamente parte do projeto pedagógico e que em poucos meses se constatou a melhora nutricional dos alunos do Cieps. Diante disso, como é possível que alas de esquerda desprezem um projeto educacional que inclui a alimentação e a saúde?  Ou não será obrigação do estado salvar cidadãos da fome? Ou querem sustentar a tese válida para a esquerda zona sul de que escola é para ensinar apenas, e que a alimentação é problema dos pobres?? Foi esta visão elitista supostamente de esquerda que levou parte do petismo a criticar Brizola por construir Cieps com piscina. Críticas endossadas por Roberto Marinho. Por que imaginar que uma escola integral, como o próprio nome diz, fugiria a seus objetivos ao garantir alimentação? Por que isso seria assistencialismo? Por que seria populismo, quando é modalidade educacional praticada em Cuba, na Venezuela na Nicarágua e em grande parte dos países vais avançados do mundo???? Por que aqui se permite esse ódio contra a educação para pobres? As críticas deste esquerdismo são tão ressentidas que chegam a comparar os belos prédios dos Cieps a outdoors. Que admirável um governante como Brizola que destaca para a paisagem das cidades as escolas integrais. Será que esta esquerda desorientada preveria outdoor de cerveja, de motéis, de armas??


Com esta corretíssima decisão, o presidente Lula poderá fazer aquilo que Brizola não pode fazer: espalhar escolas de tempo integral por todo o Brasil, salvando as crianças da violência sexual, do narcotráfico, preparando-as para serem cidadãos completos, bem alimentados (prioritário), possibilitando às suas famílias que possam trabalhar tranquilos pois a garotada estará bem cuidada nas escolas , com comida, médico, dentista, pedagogos, psicólogos, desportistas, animadores culturas, bibliotecas bem montadas, ensino humanizado, como sempre sonharam Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Ao pedir desculpas sinceras a Brizola e Darcy, Lula se engrandece como mandatário que faz a síntese das necessidades históricas, recuperando o que de melhor o trabalhismo produziu em sua trajetória, a escola integral, o que deverá ensejar que possa retomar também as agendas da Era Vargas, destruídas por FHC, Collor, Temer e Bolsonaro.


Pedir desculpas a Brizola e rediscutir a Era Vargas no interior do PT
Não é a primeira revisão política que Lula faz em relação ao trabalhismo e seus líderes, a quem muito criticou, injustamente, no início de sua carreira sindical e política. O presidente, antes de ser preso em 2018, visitou o Mausoléu de Vargas, na cidade gaúcha de São Borja, onde também estão sepultados Jango e Brizola, quando em célebre discurso reconheceu a importância da Era Vargas, pela construção das empresas como a Petrobras, Eletrobrás, o BNDES, a Cia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, todas estatais, bem como a regulamentação dos direitos laborais e previdenciários para o povo, o voto secreto, o salário mínimo, a licença maternidade, o direitos de férias, a jornada de trabalho etc. Desta maneira, Lula revisou suas próprias críticas ao varguismo, quando recebia, por isso mesmo, grandes espaços no noticiário da mídia golpista. Hoje, o presidente Lula, que estudou num Senai construído por Vargas, reconhece o ex-presidente gaúcho como um grande estadista. O posicionamento de Lula bem que poderia ser discutido amplamente entre petistas, comunistas e brizolistas com o objetivo sempre prioritário, de se construir uma nova maioria para assegurar a plenitude do Estado Democrático de Direito, sempre ameaçado, combinadamente à implantação de um programa de transformações sociais que recupere a soberania e a independência econômica do Brasil, tal como é o Legado da Era Vargas.


*Beto Almeida é jornalista e documentarista, diretor de “Vargas, a transformação do Brasil”