Recuso a essa palhaçada de “X”
No artigo, o professor de Ciência Política da UNB, Luis Felipe Miguel, falou sobre a suspensão das operações do Twitter no Brasil, determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Alexandre de Moraes decidiu pagar para ver e realmente determinou a suspensão das operações do Twitter no Brasil. (Eu me recuso a essa palhaçada de chamar de “X”.)
Elon Musk também não recuou. Está cada vez mais claro que o Twitter, para ele, é menos um negócio e mais um instrumento para promover sua agenda política – hoje, alinhada claramente à extrema-direita.
Tem gente que vai sentir falta. Não é o meu caso. Tentei usar o Twitter, mas parei há muitos anos.
O Twitter é uma plataforma organizada para funcionar como um ringue. Mais ainda do que suas concorrentes, desestimula o debate e premia a agressão. Não é minha praia.
(Nenhuma praia é minha praia, porque eu gosto mesmo é de asfalto, mas vocês entenderam a expressão.)
No período em que estive no Twitter, pouco postei, pouco interagi. Meu maior feito foi ser bloqueado três vezes – por um ministro da Educação neofascista, por um youtuber neostalinista e por uma colunista neoliberal.
Mas, a quem gostava, meus sentimentos.
Aproveitem para um detox digital (é bom para usuários de qualquer plataforma) até o Musk recuar.
Não sou jurista e não vou comentar os detalhes legais do caso. Mas não existe dúvida de que Elon Musk buscou deliberadamente desafiar a justiça brasileira e permitir que sua plataforma servisse para a propagação da desinformação e para a degradação do cenário político.
Sob esse ponto de vista, a decisão de Alexandre de Moraes parece-me integralmente justificada. Estão em jogo o princípio da soberania nacional, que determina que cabe ao Brasil legislar sobre o que acontece no território brasileiro, e o princípio da sanidade do debate público.
Os influencers de direita e o PCO, previsivelmente, aumentam as apostas na canonização do multibilionário sul-africano e na denúncia hipócrita de censura. Não creio que haja algum desgaste especial pela decisão de Moraes.
Ao mesmo tempo, é claro que não podemos ficar à mercê de decisões particulares, tomadas apenas no momento em que alguém decide esticar a corda. É preciso caminhar para a regulação das plataformas sociodigitais.
E preciso garantir que todas elas respondam as instituições do Estado brasileiro. É inadmissível que uma empresa como o Twitter não tenha um representante legal e que, portanto, maliciosamente se coloque como inalcançável pela justiça brasileira.
É o caso também do Telegram. A regra devia ser simples: supera uma quantidade determinada de usuários e não tem representante aqui? Vai ser suspenso.
Por outro lado, as leis brasileiras que determinam, por exemplo, a defesa da concorrência devem ser aplicadas também aos gigantes da internet. Não é adequado, sob nenhum ponto de vista, que Google e YouTube estejam nas mesmas mãos. Ou que Instagram, Facebook e WhatsApp sejam todos do sr. Zuckerberg. Se as big techs querem operar aqui, que dividam suas operações entre vários controladores.
Igualmente, não é justificável que as regras que definem a privacidade dos usuários ou a moderação dos conteúdos sejam decididas pelos proprietários, como se fossem contratos privados e não parte de uma nova e fundamental esfera pública. Mais uma vez, aqui, é preciso caminhar para que uma regulação pública e democrática seja imposta.
Há muitos outros pontos, que dizem respeito ao uso da chamada “inteligência artificial” e as questões de direitos autorais vinculadas a ela, à remuneração dos conteúdos produzidos por empreendimentos jornalísticos, aos limites ao império dos algoritmos, à necessidade de equalizar o uso destas plataformas nos processos eleitorais (como vemos agora no caso do coach picareta de São Paulo).
Tudo isso é difícil? Sim, é. Mas mudar o mundo sempre é difícil. Caso a gente não se mobilize para enfrentar todo esse conjunto de problemas, estaremos condenados a uma democracia cada vez mais mirrada e inócua.
*Luis Felipe Miguel é professor de Ciência Política da UNB