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A exuberância amazônica ameaçada na COP30

Neste artigo, Frei Betto fala sobre a COP30.

Há lugares na Terra onde a vida parece respirar mais forte e mais sábia. A floresta amazônica é um deles. Estende-se por cerca de 6,7 milhões de km², cobre nove países e abriga a maior bacia hidrográfica do planeta, com mais de 1.100 afluentes que desaguam no majestoso rio Amazonas, gigante que carrega 20% da água doce de superfície do mundo. 

 

Estima-se que existam na Amazônia cerca de 400 bilhões de árvores, pertencentes a 16 mil espécies diferentes, formando o coração verde que pulsa pela Terra. Suas raízes retiram a água da chuva que penetra no subsolo. As folhas processam a evaporação. Uma única árvore frondosa chega a transpirar mais de mil litros de água por dia. Assim, a floresta gera 20 bilhões de toneladas de água por dia! Mais que o rio Amazonas, que contém 17 bilhões.

 

Nessa imensidão viva, mais de 350 povos indígenas, que dominam 330 idiomas distintos (cerca de 1,6 milhão de pessoas), guardam a floresta com saberes milenares, compreendendo que cada rio, cada raiz, cada canto de pássaro tem um sentido. São os primeiros e mais fiéis defensores da Amazônia, mas também as primeiras vítimas do ecocídio capitalista.

 

Apesar de tamanha grandeza, a floresta agoniza. Desde 1970, mais de 800 mil km² foram desmatados, área equivalente à soma de França e Reino Unido ou a 112 milhões de campos de futebol. A motosserra avança onde antes o verde era absoluto, e o fogo apaga as vozes da floresta para abrir espaço ao gado, à soja e ao ouro ilegal. O garimpo criminoso se espalha pelos leitos dos rios como uma praga moderna, e envenena com mercúrio as águas que alimentam povos e animais, destrói igarapés e mata peixes.

 

O agronegócio, alicerçado em monoculturas extensivas e no uso de agrotóxicos, estende suas fronteiras sobre terras públicas, muitas vezes griladas com documentos falsos. O discurso de “progresso” serve de cortina para um saque silencioso. O que se vende como desenvolvimento é, na verdade, a privatização de um bem comum: o equilíbrio climático do planeta. Cada árvore derrubada na Amazônia altera o regime das chuvas que alimenta o Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil, além de afetar o clima global. São os rios aéreos, abastecidos sobretudo pela floresta amazônica, que irrigam o solo entre a Flórida e a Patagônia.

 

Às vésperas da COP30, sediada em Belém, o mundo volta o olhar para esse território, símbolo da biodiversidade e da resistência. É uma oportunidade histórica, já que, pela primeira vez, a conferência do clima ocorrerá no coração da Amazônia, onde se trava diariamente a batalha entre o lucro e a vida.

 

O que estará em jogo na COP30 não são apenas metas e relatórios. E sim o futuro da floresta e, com ela, o futuro da humanidade. O desmatamento, que em alguns períodos chegou a 13 mil km² por ano (1,8 milhão de campos de futebol), precisa cair a zero até 2030, como o Brasil prometeu. Mas isso exige mais que promessas, requer políticas públicas efetivas, fortalecimento dos órgãos de fiscalização, combate real ao garimpo e ao desmatamento ilegal, e valorização dos povos indígenas como protagonistas e não como vítimas.

 

A floresta amazônica, mais do que um bioma, é um sistema vivo que regula o clima, conserva carbono, abriga cerca de 10% de todas as espécies conhecidas do planeta e inspira a espiritualidade de quem nela vive. Em cada árvore há uma biblioteca genética ainda não decifrada; em cada comunidade ribeirinha, uma sabedoria que o mundo urbano desconhece.

 

A COP30 será o palco onde se confrontarão duas visões de mundo, a que vê a natureza como mercadoria e a que a reconhece como mãe. A primeira extrai, destrói e lucra; a segunda cuida, preserva e compartilha. É hora de escolher.

 

Se a floresta tombar, não será apenas um bioma que morre, será o colapso do equilíbrio climático global, a extinção silenciosa de espécies, o desaparecimento de culturas inteiras.

 

Belém, com seus rios, mangues e mercados de peixe, será em breve o epicentro de uma decisão planetária. Esperamos que a COP30 não se perca em discursos diplomáticos e acordos insuficientes. E ouça o grito dos povos da floresta e das árvores que ainda resistem em pé.

 

Ainda é possível salvar a  exuberância da Amazônia. Tomara que a conferência de Belém marque o início de uma nova aliança, baseada na reverência, entre humanidade e natureza. Assim, haveremos de deter o ecocídio, porque proteger a Amazônia é proteger a nós mesmos, e a única casa que temos no Universo.
 
Frei Betto é escritor, autor do romance sobre a Amazônia “Tom Vermelho do Verde” (Rocco), entre outros livros.