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Sílvio Tendler, ao mestre com carinho

No artigo, Carlos Pronzato fala sobre bakunin digital.

Bakunin Digital foi título do capítulo da minha participação no documentário “Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá” (2006) do Silvio Tendler (1950 - 2025), falecido em 5 de setembro.

 

 

Amigo e companheiro de ofício na construção de concretas utopias por um mundo melhor, o conheci em 2006 quando se encontrava em Salvador nas Jornadas Internacionais de Cinema promovidas pelo saudoso Guido Araújo (1934 - 2017). Silvio conhecia meus documentários daquela época realizados no Brasil, como A Revolta do Buzu (2003) e em países vizinhos, como “O Panelaço, a rebelião argentina (2002)”, “Bolívia, a Guerra do Gás (2003)” e outros sobre a assunção dos presidentes progressistas, como a emocionante posse do presidente indígena Evo Morales, em 2005. Foi assim que conheci o maior referente do documentário histórico e das lutas sociais deste país, “o cineasta dos sonhos interrompidos” como era chamado.

 

 

Eu ainda não tinha realizado obras sobre o anarquismo, como “1917, a Greve Geral” (2017) e “Colônia Cecília, um sonho anarquista” (2023). Mas em todas as que já tinha realizado - e até as que realizei até hoje - era evidente essa orientação próxima das correntes libertárias e Silvio teve essa sacada do título da minha entrevista naquele documentário fabuloso que marcou a minha trajetória em termos de uma ampla divulgação no mundo das esquerdas do Brasil.

 

 

Durante a ditadura empresarial militar, Silvio desembarcou no Chile de Salvador Allende (1908 - 1973) mas “foi em Paris que se formou como cineasta e desenvolveu uma visão crítica e comprometida com as lutas populares”, como citou o jornal Brasil de Fato. “Jango” (1980), sobre o ex-presidente João Goulart e “Os Anos JK” (1980), sobre Juscelino Kubitschek, são filmes que marcaram definitivamente uma forma de fazer cinema político.

 

 

Os exíguos caracteres deste artigo impõem um limite à tantas conversas e encontros com Silvio nos últimos vinte anos. Conto um episódio: em dezembro de 2019, quando se comemoravam os 500 anos da passagem de Fernando de Magallanes pela Baía da Guanabara durante a primeira circunavegação do planeta, fui ao Rio para iniciar um projeto de uma volta ao mundo de carona, como a que fiz durante os anos 80 pela América latina, no intuito de registrar movimentos populares. Então Silvio me levou ao seu estúdio para me entrevistar e guardar a entrevista para um futuro filme sobre este que aqui escreve, cineasta andarilho, como ele me chamava. Veio a pandemia e o projeto foi suspenso. Intrigado pela minha constante citação de escritores, Silvio me questionou: “E os cineastas que lhe influenciaram?”. Não o disse naquele momento, mas o digo agora, com um fatal atraso: mestre Silvio Tendler.

 

 

* Carlos Pronzato é cineasta, diretor teatral, poeta e escritor. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). [email protected]