Marcha das mulheres negras e Clóvis Moura
Neste artigo, Carlos Pronzato fala sobre a força histórica das mulheres negras ao articularem gênero, raça e classe como eixo central de organização política, destacando o marco de 1992 no Caribe. Ele retoma a trajetória que vai das líderes quilombolas às marchas atuais, passando por conquistas na Constituinte de 1988. Também relembra figuras essenciais como Nair Jane e Clóvis Moura, que simbolizam a luta, a memória e o protagonismo negro no Brasil.
A intersecção entre gênero, raça e classe foi a chave teórica e prática para refletir sobre as inovadoras formas de organização política e luta popular das mulheres negras. Esta articulação entre estes três elementos fundamentais de impulsão da luta cotidiana teve seu auge no Encontro de Mulheres Negras Latino-americanas e Caribenhas realizado em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. Um marco histórico do feminismo negro. Como informa o site Instituto Guetto “essa articulação ampliou o debate social, mostrando que não é possível pensar igualdade sem reconhecer as diferenças e especificidades das experiências das mulheres negras, que enfrentam discriminações simultâneas que afetam sua vida cotidiana de forma direta e profunda”.
A 2ª Marcha Nacional (de caráter internacional) das Mulheres Negras e a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, aconteceram em 25 de novembro, em Brasília, evento nacional iniciado em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, com as presenças de cerca de 70 mil pessoas, que marcharam com o lema “Contra o racismo, a violência e pelo bem viver”.
Este histórico processo que já pautava direitos começa no século XIX com líderes quilombolas organizadas em irmandades religiosas e a partir dos anos 1950 surgem os primeiros coletivos de mulheres negras, denunciando a desigualdade de gênero e o racismo. Na Constituinte de 1988, as mulheres negras conquistam o reconhecimento político e nas décadas seguintes crescem os debates de raça, classe e gênero.
Em 2022, produzido pelo Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro (Cedim), realizamos o documentário “Eu sou Nair Jane, a luta das trabalhadoras domésticas” (disponível no Youtube) que conta a história de Nair Jane Castro Lima, homenagem à ativista e feminista negra, hoje com 94 anos. Sua trajetória é um imenso legado, uma sorte de resumo histórico de todas estas lutas.
Outro personagem que resume este processo de enfrentamentos, rebelião e reparação, pioneiro nos estudos e mobilizações de raça e classe sem distinção de gêneros e cujo centenário decorre durante este ano (centenário infelizmente esquecido pelas marchas locais dos movimentos negros) é o historiador, sociólogo, poeta e jornalista Clóvis Moura, crítico acérrimo da historiografia hegemônica branca brasileira e que colocou pela primeira vez o negro como sujeito histórico, cuja obra está sendo reeditada pela Dandara Editora. O documentário “Clóvis Moura, o protagonismo negro” teve estreia em 28 de novembro, às 18h, na CULTNE TV e em Salvador em 1º de dezembro, 19h, na Saladearte Cinema do Museu, em única exibição, promoção da Fundação Maurício Grabois.
* Carlos Pronzato é cineasta, diretor teatral, poeta e escritor. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). [email protected]
