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Verdades inconvenientes

No artigo, o professor associado e coordenador de inovação da UFBA, Horacio Hastenreiter, aborda como é feita a avaliação de um governo através dos resultados econômicos.

Os parâmetros mais usualmente adotados para a avaliação de um governo são os resultados econômicos. De fato, tomando o Brasil como exemplo, uma economia mais ativa e dinâmica repercute de forma positiva em cada um dos seus mais de 200 milhões de habitantes. Sendo assim, as projeções para o crescimento do PIB nacional superior a 3% e da Ibovespa em mais de 15%, em 2023, o menor patamar de desemprego nos últimos oito anos e as reduções da inflação e da pobreza poderiam, à primeira vista, constituírem-se nos mais fortes argumentos para avaliar o terceiro mandato do governo Lula de forma positiva.


Um governo, no entanto, deve ser avaliado tanto pelos resultados imediatos que apresenta como pela capacidade de construir um amanhã melhor. Neste sentido, áreas como educação, saúde, cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) se destacam como portadoras de um futuro melhor para a sua população. Deste modo, são alvissareiros o fim das vilanizações do ensino superior e das vacinas e as voltas dos reconhecimentos da cultura como elemento fundamental da vida em sociedade e de que parte importante dos problemas brasileiros contemporâneos pode ser mais bem enfrentada a partir de inovações sociais e tecnológicas.


Para uma parcela da população nacional, mais do que resultados econômicos positivos e de melhoria de expectativas em relação ao porvir, o que o ano de 2023 trouxe de melhor, em relação aos últimos quatro anos, foi o fim do esculacho, da esfrega que vitimou grupos que, se nunca mereceram do Estado nacional a devida atenção, jamais foram tão explicitamente subjugados e vilipendiados em seus direitos e dignidades. A Fundação Palmares, cuja missão é a promoção da afro-brasilidade, foi presidida por um racista que, talvez, por requinte de crueldade, é preto. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas, da mesma forma, se tornou um órgão anti-indígena. Reduções orçamentárias e a proteção aos agressores ambientais inviabilizaram e deixaram de mãos atadas instituições como o Ibama, o ICMBio e o INPE. A Comissão da Verdade foi desacredita e torturadores, para desespero das vítimas e seus parentes, foram tratados pelo ex-presidente como heróis.


O país só poderá aspirar o seu retorno, de fato, ao processo civilizatório quando todos os brasileiros forem tratados dignamente e tiverem seus direitos respeitados. Essa situação virá acompanhada do pleno acesso à cultura, do direcionamento da ciência e tecnologia às grandes questões nacionais e do pleno acesso à saúde e à educação de qualidade. O não reconhecimento dos avanços trazidos pela primeira sexta parte do governo Lula pode ser explicado, simplesmente, pela inferiorização preconceituosa daqueles que pertencem a grupos étnicos e sociais dos quais não fazem parte, desprezando seus direitos. É possível, ainda, advogar o darwinismo social, minimizando a importância do acesso dos mais desassistidos às mais ínfimas condições de dignidade. Não se deve descartar, porém, o matrimônio, cada vez mais frequente, entre verdade e conveniência, sobretudo à de jamais ter de dar o braço a torcer.


* Horacio Nelson Hastenreiter Filho é professor associado e coordenador de inovação da UFBA