Reciprocidade
No artigo, Carlos Pronzato fala sobre reciprocidade para combater
“Na seara do direito internacional público vige o chamado princípio da reciprocidade, garantidor de que o tratamento dado por um Estado a determinada questão também será concretizado por outro país afetado pela decisão do primeiro”. Com estas palavras, o juiz federal Julier Sebastião da Silva, do Mato Grosso, proferiu, em janeiro de 2004, a sua sentença. O Departamento de Segurança Interna dos EUA decidiu, naquela época, durante a presidência de George W. Bush, que turistas de determinados países serão obrigados a deixar foto e registro de impressões digitais ao ingressar em território americano. A lista incluiu o Brasil, ao lado de outros países da América Latina, da Ásia, da África e do Oriente Médio. O juiz disse também que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já criticou os maus-tratos a brasileiros nos EUA. O direito de reciprocidade no tratamento conferido no ingresso de estrangeiros é uma questão de soberania nacional configurando um ato xenofóbico, agressivo, ultrajante e atentatório aos direitos humanos. A decisão do juiz foi um ato de dignidade nacional.
Vinte e um anos depois estamos diante de uma situação muito mais grave, desta vez com Portugal, país que sob uma direita triunfante nas eleições legislativas, e uma extrema direita - o CHEGA hoje é a segunda força política - que se espalha como vírus contagioso no país do Fado, tem adotado medidas restritivas ao ingresso e a permanência de trabalhadores de diversos países, dentre os quais o seu maior parceiro, o que potencializou a língua, a economia, a cultura e a grandeza civilizatória daquele pequeno país da Europa. Diante deste sombrio cenário das relações entre ambos países, o Brasil utilizará a justa reciprocidade às restrições impostas por Portugal aos brasileiros que pretendem emigrar e aos que vivem naquele país. Foi o que afirmou o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, no dia 2 de julho na sua participação no 13.ª Fórum de Lisboa: "É claro que todas as medidas que forem adotadas aqui, eventualmente, serão adotadas também pelo Brasil".
Num mundo que se aproxima inevitavelmente da multipolaridade, em que pese a resistência dos EUA - e a dos seus países satélites - provocando conflitos bélicos ao redor do mundo para manter ativa a sua liderança imperial em decadência e a indústria dos armamentos, é preciso vencer as barreiras impostas à circulação de pessoas, do mesmo modo que a globalização capitalista permite apenas a livre circulação de mercadorias, produzidas em situações análogas à escravidão, por trabalhadores explorados impedidos de viver dignamente onde quiserem.
Bem vinda sempre a reciprocidade para combater, no plano jurídico, mais esta aberração humana do mundo do capital.
* Carlos Pronzato é cineasta, diretor teatral, poeta e escritor. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). [email protected]