O sistema carcerário é inconstitucional

Para o defensor público federal Daniel Maia Tavares, 35 anos, pós graduado em Direito Constitucional e em Direito do Estado, o próprio Estado brasileiro reconhece que o sistema carcerário é inconstitucional.

Para o defensor público federal Daniel Maia Tavares, 35 anos, pós graduado em Direito Constitucional e em Direito do Estado, o próprio Estado brasileiro reconhece que o sistema carcerário é inconstitucional.


Ele participou, dia 14 de dezembro passado, no auditório do Sindicato dos Bancários da Bahia, do seminário Paz só com Justiça Social – A (In)Eficácia da Política de Encarceramento em Massa e disse que a lei de drogas agravou drasticamente o problema. 

 

Por Rogaciano Medeiros


O Bancário - O que a Defensoria Pública Federal tem feito para tentar reduzir a população carcerária?
Daniel Tavares - A Defensoria Pública Federal participa de mutirões, especificamente para a população carcerária e realiza também inspeções em unidades prisionais. Fora o trabalho ordinário, que é aquele que o defensor público federal realiza na defesa dos necessitados em processos criminais, tem este trabalho extraordinário, que eu quero chamar atenção, que é os mutirões e as inspeções de unidades prisionais.

 

O Bancário - É possível dizer que os esforços da DPU (Defensoria Pública da União) têm dado resultado?
Daniel Tavares - Um resultado estrutural sistêmico a gente sabe que não, que a gente ainda tem uma violação massiva de direito das pessoas presas, mas no âmbito individual, sim, existe. A gente vê, na prática, quantos resultados têm os mutirões. Quantas coisas são corrigidas a partir de inspeções. Quanto a gente consegue em processos individuais, que é aquela atuação ordinária de o defensor garantir direitos, porque não é só você deixar a pessoa livre. É realmente realizar a justiça criminal. Que ela tem os institutos, enfim, que ela consiga ter uma liberdade provisória quando tem direito, quando consiga ter uma saída no caso temporária. E qualquer progressiva de regime e outro benefício. Então, a gente vê esse resultado, sim. Resultado individual, mas a gente sabe que ainda existe muito para avançar no aspecto estrutural do sistema prisional brasileiro.

 

O Bancário - Quais os fatores determinantes para o encarceramento em massa hoje no Brasil?
Daniel Tavares - É uma pergunta difícil. Difícil resumir os fatores porque têm fatores de todas as ordens. Mas, hoje, o principal é a legislação que estimula o encarceramento, principalmente a lei de drogas, de como tem tratado a questão de usuário e traficante. E também tem a questão da política criminal, de como o Estado enxerga essas pessoas necessitadas, inseridas no sistema penitenciário. Uma questão educacional. É bem complexo. O problema que que a gente vive hoje no Brasil relacionado ao sistema prisional é sistêmico. É até algo que vou abordar na minha fala, que é o estado inconstitucional de coisas. O sistema carcerário brasileiro está em um estado muito inconstitucional. O Estado brasileiro já reconheceu que existe esta inconstitucionalidade, como são tratadas as pessoas presas. É um problema difícil. Os fatores que determinam no âmbito mais coletivo, o Sistema de Justiça Criminal, está na dificuldade de como o Poder Público, como um todo, enxerga os presos. E o fortalecimento é um dos caminhos. Não só os fatores que dificultam, mas os caminhos, e um deles é integrar a instituição. Acredito que o que vai colaborar muito é o fortalecimento de uma Defensoria Pública não só federal como estadual, firmes neste combate. Vai trazer um ganho. Lógico que não do dia para noite, mas um ganho a longo prazo positivo para o Estado brasileiro.

 

O Bancário - Quase metade dos presos está encarcerada sem nenhum julgamento. O que a DPU tem feito?
Daniel Tavares - No caso desses presos que não têm julgamento, presos provisórios, que não têm uma sentença condenatória definitiva, mas estão em situação de prisão, porque ocorreu prisão em flagrante ou foi convertido o flagrante em prisão preventiva, a DPU participa das audiências de custódia.
Toda pessoa que é presa deve ser levada perante um juiz e autoridade da segurança pública, no Ministério Público, e o advogado e o defensor público, para sinalizar a legalidade da prisão, para saber se houve algum tipo de mau trato, se houve alguma abordagem truculenta, se a prisão é legal, se o flagrante efetivamente ocorreu e se há preenchimento de pré-requisito para concessão de liberdade. Nos casos em que as pessoas estão presas e ainda não têm decisão foram casos que a própria Justiça reconheceu que não havia hipótese de liberdade provisória. É uma atuação ordinária do defensor público federal defender os processos criminais de todos os necessitados que são assistidos pela DPU.

 

O Bancário - O esforço da DPU é suficiente para a demanda?
Daniel Tavares - Absolutamente insuficiente. Na Bahia, hoje, existem da DPU, defensores públicos federais, não chega a 30. O ideal seria o dobro, pelo menos. Hoje, a Defensoria Pública da União cobre 28% das subseções judiciárias do Estado e do país, em um panorama estadual e nacional. Você vislumbra que têm vários municípios que existem um juiz federal, promotor, um procurador da República e não têm defensor federal. As pessoas são defendidas como? Por quem? Por advogados? Sim, são defendidas, porque as pessoas não podem ser processadas criminalmente sem advogado. Mas, uma instituição que tem a missão constitucional de defender os necessitados, de promoção dos direitos humanos, tem a previsão de o Estado brasileiro se fortalecer para as pessoas necessitadas e realizar esta defesa. É insuficiente, sem dúvida, com todo respeito à advocacia, pois nos locais que a DPU não tem são os advogados que exercem. É absolutamente insuficiente. Precisa-se, sim, de muito mais defensores federais. Uma estimativa do dobro para atender o Estado da Bahia.