Consciência Negra é Luta, não slogan

Há mais de cinco séculos, a violência racial estrutura relações e define destinos. Do trabalho escravizado ao encarceramento em massa, do genocídio da juventude negra à precarização do trabalho, a população negra segue carregando os impactos de um sistema que lucra com desigualdade e exclusão.

Por Julia Portela

O mês da Consciência Negra está começando e exige mais do que homenagens: impõe reflexão profunda e ação concreta. É preponderante enfrentar uma mentalidade ainda estruturada pelo racismo histórico, que segue moldando comportamentos, relações sociais e políticas públicas no país. Novembro não é celebração simbólica; é denúncia e reafirmação de que o Brasil precisa reconstruir práticas e discursos que naturalizam a violência e reproduzem exclusão.

 

 

Os números escancaram o projeto de desumanização da população negra. Ano passado, 79% das vítimas de mortes violentas intencionais no Brasil eram negras, e relatórios recentes mostram que 77% dos assassinados no país seguem sendo pessoas negras.

 


Homens negros continuam como os principais alvos da violência letal, com risco de morte quase três vezes maior, um cenário reafirmado pela política de segurança que transforma comunidades negras em territórios de guerra. O atual massacre no Rio de Janeiro expõe essa política de sangue: corpos negros tratados como estatística, famílias silenciadas e territórios criminalizados.

 


A seletividade racial do Estado brasileiro permanece evidente. Enquanto criminosos de colarinho branco transitam com privilégios, recebendo tratamento respeitoso mesmo diante de crimes milionários, jovens negros das periferias enfrentam armas apontadas, abordagens violentas e julgamentos sumários. 
Fora das áreas nobres, a lei se dobra e o princípio da vida perde força; nas favelas, a execução se normaliza, apesar de o país oficialmente não adotar pena de morte.

 


Há mais de cinco séculos, a violência racial estrutura relações e define destinos. Do trabalho escravizado ao encarceramento em massa, do genocídio da juventude negra à precarização do trabalho, a população negra segue carregando os impactos de um sistema que lucra com desigualdade e exclusão.
Não por acaso, negros ocupam as posições mais precarizadas, recebem os menores salários e estão mais expostos à violência institucional e econômica.

 

 

No primeiro 20 de Novembro reconhecido nacionalmente, a consciência precisa ultrapassar discursos vazios. Ser um país de maioria negra significa reconhecer trajetória, identidade e potência, mas também enfrentar o racismo estrutural que insiste em negar dignidade e direitos.
Valorizar vidas negras é responsabilidade coletiva, dever de Estado e urgência social. Não haverá democracia enquanto a pele definir quem vive e quem morre, quem é ouvido e quem é silenciado, quem tem direitos e quem vira número nas estatísticas.