Nestlé e a perversidade do mercado

A marca afirma promover saúde, mas exporta obesidade e doenças alimentares para onde as vozes são menos ouvidas. O marketing disfarça a desigualdade com promessas de nutrição e frases maternas nos rótulos. Mas por trás disto, existe um sistema que trata crianças brancas e ricas como prioridade e crianças pretas e periféricas como nicho de consumo. 

Por Camilly Oliveira

Um relatório da Public Eye em parceria com a Ibfan (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar) expôs a face mais cruel do mercado de alimentos infantis: a Nestlé vende produtos diferentes para crianças que vivem em lados distintos do mundo. 

 


Enquanto na Suíça (país-sede da empresa) o Mucilon e o Ninho chegam às prateleiras sem adição de açúcar, nos países do Sul global, como Brasil, Índia, Senegal e Indonésia, os mesmos produtos contêm altos teores de sacarose e mel. No Brasil, seis dos oito tipos de Mucilon à venda têm açúcar como segundo ingrediente da lista. A contradição não é acidente. É o ultraliberalismo.

 


O dado mais perverso é que as fórmulas adoçadas são direcionadas a bebês de seis meses a dois anos de idade, contrariando as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde. Na Suíça, é vendido sem açúcar, mas no Senegal, a mesma fórmula carrega 6g por porção. A lógica é simples: onde os governos têm menos poder de enfrentamento, as multinacionais avançam com agressividade. A Nestlé, com mais de US$ 600 milhões em vendas só no Brasil em 2024, sabe onde pisar e como lucrar.

 


A investigação também mostrou que laboratórios suíços se recusaram a testar os produtos sob a desculpa de que os resultados poderiam prejudicar “clientes importantes”. O silêncio corporativo revela a engrenagem do privilégio: países ricos protegidos por ciência, imprensa e regulação, enquanto países pobres se tornam campos de experimentação para estratégias de lucro.

 


A marca afirma promover saúde, mas exporta obesidade e doenças alimentares para onde as vozes são menos ouvidas. O marketing disfarça a desigualdade com promessas de nutrição e frases maternas nos rótulos. Mas por trás disto, existe um sistema que trata crianças brancas e ricas como prioridade e crianças pretas e periféricas como nicho de consumo.