A Selic não é neutra

O mecanismo é conhecido: a elevação da taxa básica encarece o crédito, reduz o investimento produtivo e desacelera a atividade econômica. O estudo mostra que a desaceleração não afeta todos da mesma forma.

Por Camilly Oliveira

Um estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP revela que a política de juros no Brasil está longe de ser neutra. Aquilo que costuma ser tratado como “efeito colateral inevitável” tem impacto direto e desigual sobre o mercado de trabalho, especialmente para homens negros.


Entre 2012 e 2021, cada aumento de 1 ponto percentual na taxa Selic real ampliou em 1,22 ponto percentual a diferença de desemprego entre homens negros e brancos. Ou seja, juros mais altos elevam de forma desproporcional o desemprego entre trabalhadores negros.


O mecanismo é conhecido: a elevação da taxa básica encarece o crédito, reduz o investimento produtivo e desacelera a atividade econômica. O estudo mostra que a desaceleração não afeta todos da mesma forma. Enquanto o desemprego entre homens brancos cresce, em média, apenas 0,1 ponto percentual, entre homens negros o aumento chega a 0,32 ponto percentual, mesmo após o controle por escolaridade, distribuição populacional e diferenças regionais.


Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde a economia é mais sensível às variações da política monetária, o impacto é ainda maior: a diferença no desemprego entre homens negros e brancos chega a 1,46 ponto percentual, segundo dados cruzados com o IBGE.


A explicação está na estrutura do mercado de trabalho brasileiro. Homens negros estão mais concentrados em setores como construção civil e indústria, que dependem fortemente de crédito e investimento e, por isso, são mais afetados pelo aumento dos juros. Já atividades ligadas a serviços e cuidados — onde se concentram as mulheres negras — reagem menos às variações da Selic, o que ajuda a explicar a redução das desigualdades de desemprego entre mulheres negras e brancas observada no estudo.


Com a Selic em 15% ao ano e juros reais próximos de 10%, o Brasil figura entre os países com a política monetária mais restritiva do mundo, mesmo com a inflação sob controle, segundo o IPCA do IBGE. O estudo da USP demonstra que essa escolha transfere renda para o sistema financeiro e distribui o desemprego de forma desigual, aprofundando desigualdades raciais. Assim, a política de juros deixa de ser apenas um instrumento de controle inflacionário e passa a atuar como um fator ativo de reprodução das desigualdades sociais no país. 

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