Bolsonarismo e a cultura do medo
A consequência aparece na rotina digital. Metade evita qualquer comentário político em grupos de família, 52% controlam o que dizem com cuidado extremo e 29% já deixaram espaços virtuais por insegurança.
Por Camilly Oliveira
O brasileiro fala menos de política no WhatsApp porque o debate público foi contaminado pelo medo. Estudo do InternetLab e da Rede Conhecimento Social, entre novembro e dezembro de 2024, aponta que só 6% participam de grupos voltados à discussão política, contra 10% em 2020. Em grupos familiares, a presença de mensagens sobre governo caiu de 34% em 2021 para 27% em 2024, entre amigos, o recuo foi de 38% para 24%.
O silenciamento nasce de um ciclo de violência política que se consolidou nos anos do bolsonarismo. A pesquisa mostra que 56% têm receio de expressar opinião devido ao ambiente agressivo, percepção comum entre esquerda, centro e direita. O assassinato de Marcelo Arruda, em 2022, após uma discussão eleitoral, e os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 deixaram marcas profundas. A política passou a ser associada à ameaça, não ao diálogo, como se discordar fosse provocação.
A consequência aparece na rotina digital. Metade evita qualquer comentário político em grupos de família, 52% controlam o que dizem com cuidado extremo e 29% já deixaram espaços virtuais por insegurança. A conversa coletiva cede lugar ao privado ou a bolhas ideológicas fechadas. O cenário favorece o movimento reacionário brasileiro, que cresce quando o debate público se esvazia e o medo substitui a argumentação.
O debate político precisa voltar a ser regra, não exceção, porque sociedades diversas se constroem com confronto de ideias, não com autocensura. O próprio estudo indica que 12% ainda insistem em compartilhar temas considerados cruciais, mesmo sob desconforto. Romper o legado autoritário do bolsonarismo exige recuperar a política como espaço legítimo de troca, conflito e construção coletiva.
