Ciclo histórico de vício e miséria

Os mais pobres apostam para sobreviver, a desigualdade virou produto e a saúde mental, estatística ignorada. Consultas para tratar o vício demoram até dois anos nas filas de atendimento. A epidemia não surgiu do nada, mas como repetição de um roteiro antigo. 

Por Camilly Oliveira

O jogo sempre rondou os becos da pobreza brasileira. Do baralho no Brasil colonial ao jogo do bicho nas esquinas das periferias, a aposta foi o sonho embalado em desespero. Hoje, o vício veste a camisa dos times de futebol, fala pela voz dos influenciadores e sussurra promessas de quem já não tem nada a perder. 

 


A engrenagem gira rápido. Só em 2024, brasileiros apostaram mais de R$ 68 bilhões, com R$ 24 bilhões indo direto para os cofres das casas fora do Brasil. Enquanto isto, programas de inclusão social como o Bolsa Família viram parte dos recursos evaporar em plataformas de aposta. 

 


Os mais pobres apostam para sobreviver, a desigualdade virou produto e a saúde mental, estatística ignorada. Consultas para tratar o vício demoram até dois anos nas filas de atendimento. A epidemia não surgiu do nada, mas como repetição de um roteiro antigo. 

 


Quando bingos foram liberados nos anos 1990, psicólogos e psiquiatras já alertavam para a armadilha. A diferença é que agora o cassino cabe no bolso, funciona 24 horas e sabe exatamente a renda, o CEP e o desespero de quem está do outro lado da tela. 

 


Se o governo quiser de fato enfrentar o problema, precisa proibir propaganda para jovens e pobres, exigir rastreio das apostas por CPF e taxar pesado o lucro estrangeiro. Caso contrário, a aposta que se espalha pelo Brasil é uma só: perder tudo.