A maternidade abandonada

No Brasil, onde a desigualdade de gênero, raça e classe são entrelaçados com crueldade, ser mãe solo é carregar nas costas não apenas os filhos, mas um sistema inteiro que empurra as mulheres para a invisibilidade e o abuso.

Por Camilly Oliveira

No Brasil, onde a desigualdade de gênero, raça e classe são entrelaçados com crueldade, ser mãe solo é carregar nas costas não apenas os filhos, mas um sistema inteiro que empurra as mulheres para a invisibilidade e o abuso.

 


Mais de 40% já sofreram desrespeito ou violência no ambiente de trabalho, e não é mero acaso, mas parte da estrutura machista do mercado ignora que cuidar da vida também é trabalho. O problema não é falta de competência, é excesso de opressão.

 


Quase 43% das mães solo relatam abusos no trabalho, contra 37% das que não estão nesta condição. Mais da metade admite aceitar situações inaceitáveis. Não há margem para escolha quando o salário paga a comida, a creche e o aluguel. Quem julga as mulheres por “aceitarem” o abuso, fecha os olhos para o sistema que as obriga ao silêncio. É chantagem social travestida de meritocracia.

 


Segundo o Censo 2022, mais de 10,3 milhões de lares no Brasil são comandados por mulheres sozinhas com filhos, e 78% dessas mães são negras. O recorte racial escancara uma realidade perversa de que a maternidade solo no Brasil tem cor e classe. E não é coincidência que justamente estas mulheres estejam entre as mais pobres do país, com 72% vivendo abaixo da linha da pobreza, quando são pretas ou pardas. O que chamam de “resiliência” é, na verdade, abandono estatal.

 


Enquanto isto, o discurso liberal insiste em vender autonomia como solução, ignorando que o verdadeiro peso está nas costas de quem cria, alimenta, educa e ainda engole o desrespeito para garantir o mínimo. O precisa de políticas públicas que garantam proteção, renda, direitos trabalhistas e dignidade às mães solo que sustentam a base mais esquecida da sociedade.