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O dilema de Julio Cortázar

No artigo,Carlos Pronzato fala sobre o dilema do artista Julio Cortázar

Li “Final del Juego” (Final do Jogo) do argentino Júlio Cortázar (1914 - 1984), quando cursava o segundo grau no histórico Colégio Nacional de Buenos Aires, onde estudei entre 1973 e 1976. Acredito que foi o livro que mais me influenciou naqueles anos da conturbada vida política do país platino na adolescência que já clamava por aprofundar a fruição da literatura.

 


A primeira edição deste livro é de 1956, quando Cortázar contava com 42 anos, morava em Paris por discordâncias com os rumos do governo peronista (1946 - 1955) e já tinha publicado outro livro essencial em 1951, Bestiário, seu primeiro livro de contos.  Nesse mesmo ano recebeu uma bolsa do governo francês para estudar durante dez meses, ao fim dos quais decidiu ficar.

 


Em 1962 publica o delicioso História de Cronópios e de Famas e em 1963 o seu livro mais conhecido, Rayuela (O Jogo de Amarelinha) que junto com outros da sua lavra tornaram o seu autor um dos escritores do chamado boom latino-americano, com ampla penetração no mercado editorial da Europa.  


Os nove contos de Final do Jogo, lançado por uma editora mexicana, foram acrescidos de outros nove pela argentina Editorial Sudamericana, em 1964. Nos livros do Cortázar o entrelaçamento entre realidade, fantasia e o mágico criam universos que se encaixam perfeitamente no conceito do realismo fantástico.

 


Descrever cada um dos contos deste livro, seus enredos, suas personagens que tanto me instigaram na adolescência não é escopo de um artigo curto como este, mas fica o convite para a sua leitura.

 


Mas há também no percurso da sua vida um aspecto que também deixou profundas marcas na obra de muitos artistas, dentre os quais me incluo. Foi a sua faceta engajada, seu compromisso como artista nas questões políticas da sua época.

 


Depois de visitar Cuba nos anos 60 assume o compromisso pela liberação da América Latina. Quando o Che Guevara foi assassinado, em 1967, escreveu: “La escritura, hoy y frente a esto, me parece la más banal de las artes”.

 


Em 1968, participa das revoltas estudantis do maio francês. Em 1970 viaja ao Chile para se solidarizar com o governo de Salvador Allende (1908 - 1973).

 

Em 1973, destinou os direitos de um prêmio à ajuda dos presos políticos na Argentina. Em 1974, foi membro do Tribunal Bertrand Russell II condenando as violações dos Direitos Humanos. Em 1976 conhece o poeta e sacerdote nicaraguense Ernesto Cardenal (1925 - 2020) e decide ir à Nicarágua durante o processo revolucionário que culminaria em 1979 com a tomada do poder pelos sandinistas. Mais tarde, em 1983, publica “Nicarágua, tan violentamente dulce”, doando seus direitos autorais à Revolução. O dilema entre a ação e a criação artística calou fundo em Julio Cortázar.

 

*Carlos Pronzato é cineasta, diretor teatral, poeta e escritor. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).
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