A violência no comando

O consumo de podcasts de crime reforça o movimento. O Brasil figura entre os países que mais ouvem conteúdos do gênero, segundo levantamentos de plataformas como Spotify e Deezer, que apontam o true crime entre os formatos mais populares no país. Relatos detalhados, investigações narrativas e reconstruções de casos reais alimentam uma escuta cotidiana da violência, muitas vezes fora do noticiário tradicional. 

Por Camilly Oliveira

A segurança pública assumiu o centro do medo coletivo no Brasil. A edição de novembro do What Worries the World, da Ipsos, mostra que a preocupação com crime e violência no país saltou 12 pontos percentuais em um único mês e alcançou 52% da população. É o índice mais alto de 2025 e o maior desde novembro de 2018, superando temas historicamente dominantes como desigualdade social e saúde.

 


O dado não surge no vazio, mas reflete a grande operação deflagrada no Rio de Janeiro, em outubro passado, contra o crime organizado, que deixou 121 pessoas mortas, das quais quatro policiais. Uma carnificina que amplificou a percepção de risco e tornou a violência um assunto inevitável no cotidiano.

 


A pauta da violência também dialoga com o ambiente cultural do ano. Séries como Tremembé (Globoplay) e Os Donos do Jogo (Netflix) transformaram a criminalidade em tema central do entretenimento. A primeira revisita crimes emblemáticos que moldaram julgamentos sociais, disputas narrativas e desconfiança nas instituições, expondo como casos midiáticos constroem uma sensação contínua de insegurança.

 


A segunda escancara a lógica econômica e territorial das facções, mostrando como o crime organizado disputa poder, regula espaços e influencia a vida urbana. Quando o crime vira enredo dominante nas telas, deixa de ser apenas estatística policial e passa a organizar conversas, percepções, medos e até projetos de vida.

 


O consumo de podcasts de crime reforça o movimento. O Brasil figura entre os países que mais ouvem conteúdos do gênero, segundo levantamentos de plataformas como Spotify e Deezer, que apontam o true crime entre os formatos mais populares no país. Relatos detalhados, investigações narrativas e reconstruções de casos reais alimentam uma escuta cotidiana da violência, muitas vezes fora do noticiário tradicional. 

 


Enquanto isto, outros temas crescem em ritmo menor. A Ipsos mostra pobreza e desigualdade com 38% das menções, saúde com 36% e corrupção em queda para 34%, após meses de forte atenção. O deslocamento é político, quando a violência ocupa o topo das preocupações, se redefine prioridades, pressiona governos e reorienta o debate público.

 


Em 2025, o Brasil parece dizer que antes de discutir futuro, renda ou bem-estar, quer sobreviver. A centralidade da segurança pública revela menos um surto momentâneo e mais um alerta sobre como o medo passou a organizar a vida social e a agenda nacional.