A conta que o capital não faz

Em pleno século XXI - cada vez mais marcado por epidemias de sofrimento psíquico - o modelo de gestão adotado por muitas empresas adoece, exclui e descarta.

Por Júlia Portela

A atualização da Norma Regulamentadora nº 01 (NR-1), publicada por meio da Portaria MTE nº 1.419, de 27 de agosto de 2024, entrará em vigor no dia 26 de maio de 2025. Pela primeira vez, a norma reconhece oficialmente os riscos psicossociais como parte das obrigações legais de prevenção dentro das empresas. Trata-se de um passo importante, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

 

A mudança prevê um período de transição de um ano, durante o qual as empresas não serão autuadas, mas deverão se adequar às novas exigências.

 

O impacto da medida se torna ainda mais evidente diante dos dados alarmantes de 2024: mais de 472 mil trabalhadores foram afastados por transtornos mentais relacionados ao trabalho. Ansiedade, depressão e burnout já constam oficialmente na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), atualizada no fim do ano passado.

 

Com a nova NR-1, os chamados Fatores de Risco Psicossocial Relacionados ao Trabalho (FRPRT) - como metas inatingíveis, sobrecarga de tarefas, exigências fora do horário, assédio moral e conflitos interpessoais - passam a integrar o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) com o mesmo peso que riscos físicos, químicos, biológicos e ergonômicos, conforme previsto também na NR-17.

 

Mesmo sendo um avanço, o reconhecimento destes riscos vem com atraso. Em pleno século XXI - cada vez mais marcado por epidemias de sofrimento psíquico - o modelo de gestão adotado por muitas empresas adoece, exclui e descarta.

 

Ambientes de trabalho tóxicos, metas abusivas, jornadas cada vez mais extensas, falta de reconhecimento e práticas de controle opressivas são reflexos de uma lógica empresarial que coloca o lucro acima da vida. O mesmo sistema que impõe este ritmo desumano é o que sofre com os prejuízos causados por afastamentos em massa, consequência direta da própria política de exploração.

 

O debate sobre saúde mental no trabalho não é sobre bem-estar, mas sobre direitos humanos fundamentais. O adoecimento psicológico não é um problema individual, mas um reflexo direto da estrutura de poder e gestão dentro das empresas.

 

Para que a nova NR-1 não se torne letra morta, será necessário fiscalização efetiva por parte do Estado, fortalecimento dos sindicatos e mobilização da classe trabalhadora para exigir condições dignas de trabalho.