Pejotização empurra milhões ao abismo

À primeira vista pode parecer uma onda de empreendedorismo, mas não é. É coerção disfarçada de liberdade. Sob ameaça de perder o emprego, milhões foram forçados a abrir empresa própria, um artifício patronal para cortar custos. Na prática, jogados ao abismo dos direitos.

Por Ana Beatriz Leal

O Brasil presencia, apesar da resistência das centrais e movimentos sindicais, o desmonte das garantias trabalhistas. O Ministério do Trabalho e Emprego investiga um esquema de pejotização em massa que pode ter levado 5,5 milhões de trabalhadores a deixarem de ser CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) para ser CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) entre 2022 e julho deste ano.

 


À primeira vista pode parecer uma onda de empreendedorismo, mas não é. É coerção disfarçada de liberdade. Sob ameaça de perder o emprego, milhões foram forçados a abrir empresa própria, um artifício patronal para cortar custos. Na prática, jogados ao abismo dos direitos.

 


Do total de pessoas que migraram de vínculo, cerca de 4,4 milhões (80%) viraram MEI (Microempreendedor Individual). Com renda limitada a R$ 81 mil anuais e sem poder de negociação por melhorias, estes profissionais não têm férias, 13º salário e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), por exemplo.

 


O prejuízo é duplo, já que o trabalhador perde segurança e o Estado, receita. O MEI contribui muito menos para a Previdência. Empresas, por outro lado, comemoram. A FGV-Eaesp calcula redução de até 70% nos encargos.

 


A pejotização ganhou ainda mais força após a reforma trabalhista de 2017, aprovada por Temer, que abriu brechas sob o pretexto de modernizar o mercado. Sem fiscalização e com o avanço das plataformas digitais, a “flexibilização” virou licença para precarizar.

 


O tema está no STF (Supremo Tribunal Federal), que em outubro realizou audiência pública convocada no âmbito do ARE (Recurso Extraordinário com Agravo) 1532603, discutindo o impacto social e econômico da modalidade.