A ditadura do ultraprocessado

Brasil virou terreno fértil para a expansão dos ultraprocessados. Os alimentos ocupam quase um quarto do prato nacional, segundo a série de estudos publicada na revista Lancet por mais de quarenta pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo). 

Por Camilly Oliveira

Brasil virou terreno fértil para a expansão dos ultraprocessados. Os alimentos ocupam quase um quarto do prato nacional, segundo a série de estudos publicada na revista Lancet por mais de quarenta pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo). 

 


A participação destes produtos no dia a dia dos brasileiros saltou de 10% para 23% desde os anos 1980, acompanhando o padrão observado em 93 países analisados. O relatório expõe números que acabam a falsa ideia de escolha individual. 

 


Na China, a fatia de ultraprocessados nas compras familiares passou de 3,5% para 10,4% em três décadas. Na Argentina, de 19% para 29%. Na Espanha e na Coreia do Sul, triplicou. O movimento avança com força nos países de renda baixa e média, onde as corporações encontram brechas econômicas, fragilidade regulatória e populações pressionadas por jornadas exaustivas. O padrão se repete dentro das próprias nações: primeiro as classes altas adotam os produtos, depois a lógica industrial se impõe sobre os demais grupos. 

 


De 104 estudos de longo prazo avaliados, 92 apontam risco elevado de doenças crônicas em dietas dominadas por ultraprocessados, associando o consumo a obesidade, diabetes tipo 2, câncer colorretal e doenças cardiovasculares. As condições cresceram paralelamente à expansão industrial após os anos 1980, quando a globalização impulsionou produtos baratos, hiperpalatáveis e ricos em aditivos químicos. 

 


As recomendações do estudo confrontam o domínio corporativo. Os cientistas defendem rotulagem explícita de aditivos, restrição total destes produtos em escolas e hospitais, taxação de itens com ingredientes nocivos e políticas que ampliem o acesso a alimentos frescos, especialmente para famílias vulneráveis. O Brasil surge como referência ao endurecer o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que exigirá 90% de alimentos in natura nas merendas a partir do próximo ano.