A marca do Brasil real

Os números revelam muito mais do que agressões individuais, mas um sistema que distribui poder de forma desigual e funciona para legitimar atitudes que deveriam causar nojo. Quando 71% das agressões ocorrem diante de outras pessoas, maioria das vezes com crianças presentes, o país confirma que a violência de gênero se mantém como estrutura, e não como exceção.

Por Camilly Oliveira

A nova edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher expõe mais uma vez a ferida que o Brasil insiste em empurrar para debaixo do tapete: 3,7 milhões de brasileiras sofreram violência doméstica ou familiar em 2025, segundo levantamento do DataSenado.

 


Os números revelam muito mais do que agressões individuais, mas um sistema que distribui poder de forma desigual e funciona para legitimar atitudes que deveriam causar nojo. Quando 71% das agressões ocorrem diante de outras pessoas, maioria das vezes com crianças presentes, o país confirma que a violência de gênero se mantém como estrutura, e não como exceção.

 


Um terço das entrevistadas vivenciou ao menos uma das 13 formas de violência listadas, mas parte delas não se reconhece como vítima, só um retrato fiel de como o machismo define comportamentos e reduz experiências traumáticas a “probleminhas domésticos”. 

 


O dado de que 38% sofreram a primeira agressão até os 19 anos mostra como este ciclo nasce cedo, sustentado por medo, e na maioria das vezes da dependência econômica. A subnotificação confirma que 17% deixam de denunciar por causa dos filhos, enquanto outras não acreditam na punição.

 


A Lei Maria da Penha é considerada referência internacional, mas esbarra em uma sociedade que é incapaz, de fato, faze-la funcionar. 19% dizem conhecer bem a lei, e 62% das vítimas não solicitaram medidas protetivas. Entre quem pediu, 17% tiveram a proteção descumprida, desmontando qualquer ilusão de que a legislação, sozinha, dá conta do problema. 

 


A violência digital, que atinge 10% das mulheres, abre novas perspectivas de ataque, enquanto 79% acreditam que a violência contra a mulher aumentou no último ano, sinal claro de que o sentimento de insegurança acompanha o cotidiano feminino.

 


Não há possibilidade de democracia possível onde mulheres seguem ameaçadas dentro da própria casa. Enfrentar a violência de gênero implica mexer nas bases culturais, econômicas e institucionais do país. Enquanto isto não acontecer, o Brasil continuará contabilizando agressões e naturalizando histórias que deveriam envergonhar qualquer sociedade.