As faces da crise alimentar
O Brasil hoje enfrenta uma epidemia silenciosa de obesidade, enquanto permanece no Mapa da Fome da ONU.
Por Julia Portela
Hoje, seis em cada dez brasileiros estão com sobrepeso e, entre eles, pelo menos dois (24,3%) têm obesidade. Os dados mostram um salto alarmante em comparação com 2006, quando quatro em cada dez pessoas estavam com sobrepeso, e apenas um (11,8%) apresentava obesidade.
Embora pareçam opostos, fome e obesidade são duas expressões da mesma crise: a precarização alimentar. O avanço da fome no Brasil não se dá apenas pela ausência total de alimentos, mas pela presença massiva de produtos ultraprocessados e de baixíssimo valor nutricional, vendidos a preços baixos e amplamente acessíveis — principalmente nas periferias e nas rotinas de quem vive sob jornadas exaustivas.
Mulheres periféricas e mães solo são as mais atingidas por esse projeto alimentar baseado no lucro, que coloca nas prateleiras alimentos com calorias vazias, mas quase nenhum nutriente. São elas, muitas vezes, as responsáveis por alimentar a família — e também as que sacrificam a própria alimentação para garantir ao menos uma refeição aos filhos.
Restaurantes populares, cozinhas solidárias e políticas públicas de segurança alimentar têm sido a única alternativa de comida digna para muitas famílias brasileiras. Quando essas políticas falham ou são desmontadas, recai sobre as trabalhadoras o peso da sobrevivência, com impactos diretos na saúde, no corpo e na dignidade.
O Brasil hoje enfrenta uma epidemia silenciosa de obesidade, enquanto permanece no Mapa da Fome da ONU. São duas pontas de um mesmo problema: a desigualdade, que tira do povo o direito de se alimentar com qualidade. A classe trabalhadora não precisa de mais ultraprocessados e propaganda enganosa — precisa de comida de verdade, políticas públicas eficazes e dignidade à mesa.