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Clóvis Moura, cem anos de um insurgente contra o racismo

No Artigo, Everaldo Augusto fala sobre o racismo estrutural e o mito da democracia racial.

O mito de democracia racial no Brasil é um discurso ideológico para negar direitos à população negra, para contestar, naturalizar e evitar punir o racismo. Ele sempre esteve assentado na tese da passividade dos escravizados. Durante muito tempo esta ideia foi hegemônica no  nosso pensamento social. Contudo, a partir da obra de Clóvis Moura, caracterizando a racismo estrutural como elemento fundante do Estado brasileiro, iniciou-se um processo de desmonte desta tese e, posteriormente, passou-se a existir uma contestação aberta ao mito de democracia racial e por políticas de reparação.

 

 

Em Rebeliões da Senzala, livro de estreia de Clóvis Moura, publicado em 1959, ele registra, pela primeira vez, a questão de classe e raça como dois quesitos inseparáveis para explicar o processo de escravidão e do racismo estrutural no país. Seu pressuposto básico é o papel ativo do negro na resistência à escravidão. Contudo, ele reconhece as limitações do processo: “Com exceção da experiência de conteúdo controvertido do Haiti, nenhum movimento de escravos conseguiu estabelecer Estado próprio. O papel dessas lutas foi sempre outro: solapar as bases materiais e consequentemente as relações de trabalho existentes entre senhor e escravo”. Entretanto, ele continua, “O escravo era o esqueleto que sustentava os músculos e a carne da sociedade escravista, porque era o produtor da riqueza geral, através do seu trabalho” ¹.

 

 

O que é inovador na obra de Clóvis Moura é a utilização do marxismo como método de análise da sociedade escravocrata. Para ele, não tem como analisar este período sem levar em conta as contradições de classe entre senhor e escravo, ainda que o escravizado estivesse despossuído das condições subjetivas de elaboração de um projeto de sociedade.

 

 

Clóvis Moura demonstrou que a obra da escravidão sempre esteve presente na estrutura do Estado brasileiro, nas leis e instituições. O racismo estrutural está na origem do sofrimento de milhões de negros e negras, relegados à periferia da sociedade, ocupando as mais desqualificadas vagas do mercado de trabalho, submetidos às barreiras intransponíveis e invisíveis no acesso à educação, colocados longe das instâncias de poder, superlotando as prisões e, muito frequentemente, precocemente, sendo vítimas da violência policial. A atualidade da obra de Clóvis Moura está em desnudar esta realidade e ser um guia para as políticas de reparação.

 

 

Em 2025 faz cem anos de nascimento de Clóvis Moura, piauiense, jornalista, escritor, militante antirracista. Suas idéias estão presentes em cada insurgência do povo negro, afinal são cem anos de um insurgente contra o racismo.

 

 

¹ Rebeliões da senzala. Introdução. LECH Ed. 3ª Edição. 1981.

 

 

*Everaldo Augusto, presidente da Fundação Maurício Grabois-Seção Bahia.