Verde para poucos, calor para milhões
A democratização das áreas verdes precisa ser parte central do debate sobre as cidades brasileiras. Em meio a recordes de temperatura e ondas de calor cada vez mais intensas, é urgente reconhecer que a crise climática também é resultado da negligência com a preservação dos espaços naturais nos centros urbanos.
Por Julia Portela
A democratização das áreas verdes precisa ser parte central do debate sobre as cidades brasileiras. Em meio a recordes de temperatura e ondas de calor cada vez mais intensas, é urgente reconhecer que a crise climática também é resultado da negligência com a preservação dos espaços naturais nos centros urbanos.
A substituição da vegetação por concreto, asfalto e torres residenciais sem planejamento tem criado verdadeiras ilhas de calor nas cidades. Salvador é um exemplo. A lógica do lucro fácil, guiada pelo mercado imobiliário e pelo modelo ultraliberal de urbanização, transforma o espaço urbano em mercadoria, onde a natureza é removida e o bem-estar da população, ignorado. Em nome da “modernização”, o verde desaparece e com ele, a qualidade de vida.
Para além da destruição, há um novo risco em curso: o da gentrificação verde. Como alerta a pesquisadora Ana Terra Maia, do Centro Basco para as Alterações Climáticas (Espanha), projetos de “esverdeamento” urbano, mesmo quando bem-intencionados, podem acabar expulsando os moradores mais pobres das áreas beneficiadas, devido à valorização imobiliária. Ou seja, até o direito ao verde corre o risco de virar privilégio.
A construção de cidades justas e habitáveis passa pela regulação firme de projetos urbanos que preservem a vegetação e a ocupação popular. Preservar áreas verdes não é luxo nem favor: é sobrevivência. É preciso romper com a lógica da destruição em nome do lucro e defender políticas públicas que coloquem a vida no centro das decisões urbanas.