A máquina da discórdia: como as redes amplificam a polarização
Frei Betto, fala sobre polarização nas redes sociais
A polarização é evitável? Minha resposta é sim, desde que adotadas certas medidas. Enquanto não havia redes digitais, uma pessoa ficava muito irritada ao receber notícia - por conversas, TV, rádio ou jornal -, a respeito de um político ou outra pessoa de seu desagrado e o máximo de reação possível se restringia a comentários desairosos em seus círculos de familiares e amigos.
Agora, ela abre o celular como quem desembainha um punhal ou carrega uma arma, e dissemina o seu ódio ao político ou a outra pessoa com alcance planetário. Antes esbravejava contra o seu desafeto e, além das paredes, apenas quem estava próximo escutava.
As redes se tornaram um dos principais palcos de debate político e ideológico na atualidade. Plataformas como Twitter (X), Facebook, Instagram e TikTok não apenas refletem os conflitos da sociedade, mas frequentemente os intensificam. Nesse cenário, compreender os mecanismos que acirram ou reduzem a polarização ideológica é essencial para se alcançar um ambiente digital mais saudável e democrático.
Com o avanço da tecnologia, a emoção ganhou alcance global em tempo real. O aplicativo converte o meme (via WhatsApp, X, Instagram, TikTok etc.) para formato otimizado (como JPEG, MP4); os metadados (quem postou, quando, localização, descrição, hashtags) são anexados; o conteúdo é enviado aos servidores da rede via internet (Wi-Fi ou dados móveis). E através do algoritmo a mensagem se propaga como vírus.
Essa polarização ideológica se acirra nas redes por uma combinação de fatores tecnológicos, psicológicos e sociais. Os algoritmos das plataformas são programados para maximizar o engajamento, e conteúdos que geram indignação, medo ou raiva tendem a prender mais a atenção do público. Isso significa que discursos mais extremados, provocativos ou polarizados costumam ter maior alcance.
O êxito das redes, inclusive ao criar dependência dos usuários, é devido à emoção. Quanto mais emoção, mais adesão que, segundo Freud, gera sintomas neuróticos. Resulta de pulsões inconscientes, muitas vezes agressivas ou, como salienta Melanie Klein, esquizoparanóide.
Por isso, seus efeitos nefastos, como o ódio, em geral escapam do controle do indivíduo. Se a notícia o desagrada e afeta seu emocional, reage impulsivamente antes de equacioná-la racionalmente. Assim, imediatamente lança mão da arma de revide: a internet. Cancela, detona, exclui e ofende seu desafeto ou procura ridicularizá-lo com memes, críticas mordazes, vídeos ou montagens.
O uso de fake news e desinformação também intensifica a polarização. Quando informações falsas circulam e são usadas para atacar o “inimigo”, constrói-se um ambiente de desconfiança e animosidade, que dificulta ainda mais qualquer tentativa de compreensão mútua.
A polarização se acentua porque o uso das redes digitais induz ao narcisismo e ao individualismo que selam o tribalismo. Nas tribos ou bolhas, os usuários se expõem a opiniões semelhantes às suas. Isso reduz a capacidade de acatar visões diferentes, transformando-as em divergentes, e cria a sensação de que o “outro lado” é irracional ou mal-intencionado. As pessoas passam a debater não ideias, mas afirmações muitas vezes descabidas. A lógica do “nós contra eles” se estabelece, e o diálogo dá lugar ao confronto. Dá-se importância ao que não tem.
Ao se sentir ameaçada em sua identidade e ideologia (ainda que sem consciência de ter ideologia), a pessoa reage com ressentimento e adota a atitude de radicalização destrutiva. Isso é incentivado pelos algoritmos, programados para ampliar o número de usuários e criar dependência, a nomofobia.
Há duas medidas que considero importantes para aplacar a polarização: a regulação das big techs por parte do Estado, com transparência dos algoritmos; e a educação digital na família e na escola. O smartphone e o computador são armas virtuais. Como as facas, servem para o bem, cortar alimentos, ou o mal, assassinar. Crianças e jovens devem saber usá-los com proveito, moderação e empatia cognitiva ao se colocar no lugar do outro. Assim, haverá menos embates e mais debates.
A educação para a cidadania digital precisa ser incentivada. Desde cedo, é possível ensinar a navegar nas redes com responsabilidade, empatia e capacidade argumentativa. Com isso, cria-se uma cultura online mais madura, capaz de lidar com divergências sem partir para o confronto emocional e, muitas vezes, irracional.
A diversificação das fontes de informação também é fundamental. Acessar conteúdos de diferentes linhas editoriais, ouvir vozes fora da própria bolha e evitar julgamentos imediatos contribuem para uma visão mais complexa e menos maniqueísta da realidade.
Outra ação importante é o incentivo ao pensamento crítico. Antes de compartilhar uma notícia ou opinião, é necessário verificar a veracidade das informações e refletir sobre suas implicações. Combater a desinformação é uma forma concreta de reduzir conflitos desnecessários.
Influenciadores, jornalistas, educadores e formadores de opinião têm papel central nesse processo. Quando figuras públicas adotam uma postura equilibrada e respeitosa, inspiram seus seguidores a fazer o mesmo. As plataformas digitais podem contribuir ao ajustar seus algoritmos para valorizar conteúdos construtivos e pluralistas, em vez de premiar apenas o que viraliza por meio da indignação.
Promover o diálogo, estimular a empatia, diversificar as fontes de informação e investir na educação digital são estratégias que, se adotadas em conjunto, podem transformar o ambiente virtual em um espaço mais democrático, plural e construtivo. A responsabilidade é coletiva, mas cada usuário tem o poder de contribuir para essa mudança.
* Carlos Alberto Libânio Christo, Frei Betto, é frade dominicano, jornalista e escritor